Audiência pública debate Cota Zero para a pesca profissional em Cáceres

por imprensa — publicado 18/06/2019 09h10, última modificação 18/06/2019 09h20

Aconteceu na noite da última quarta-feira (12), na Câmara Municipal de Cáceres, audiência pública com o objetivo de discutir a mudança da Lei Estadual nº 9.096/2009, que instaura a Cota Zero para a pescaria do Estado de Mato Grosso, proposta pela deputada estadual Janaína Riva (MDB).

A audiência foi convocada pela vereadora Elza Basto (PSD), presidente da Colônia de Pesca Z-02, uma das colônias que seriam afetadas de maneira irreversível com a Cota Zero, que visa preservar e recuperar o estoque pesqueiro do Estado, atualmente considerado baixo. O presidente da Câmara, vereador Rubens Macedo (PTB) explicou que se trata de um debate importante para a população de Cáceres, que quando não dispõe de dinheiro para comprar carne pode ir ao Rio Paraguai pescar e alimentar sua família com o que trouxer. Ele afirmou que o projeto ainda será discutido na Assembleia Legislativa e que a Câmara encaminhará um ofício à AL pedindo alterações na lei.

A vereadora Elza informou que fez convite aos deputados estaduais para que viessem a Cáceres explicar os motivos por trás da implantação do projeto. "Hoje [quinta-feira, 13] o assessor da deputada Janaína disse que ela não poderia vir porque era dia dos namorados, porque tinha outros assuntos...", lamentou a parlamentar, que ainda relatou ter ido a Cuiabá há um mês e se reunido com o Governador Mauro Mendes (DEM); segundo a parlamentar, quando discorreu sobre a Cota Zero, o governador não abordou os pescadores profissionais - apenas a pesca amadora, esportiva e turística.

"Por isso a inclusão dos pescadores profissionais na Cota Zero nos pegou de surpresa. Apoiamos a Cota no turismo, não para quem sobrevive dela. Temos uma minuta redigida no Conselho Estadual da Pesca (CEPesca) que engloba todas as modalidades e vamos encaminhá-la. Nossa população precisa poder pegar ao menos um ou dois quilos de peixe e trazer para casa e alimentar sua família", finalizou Elza.

Um pescador profissional que se apresentou como Lourenço agradeceu a abertura de diálogo por parte do Poder Legislativo e lamentou a ausência dos deputados convidados. Ele pediu provas da necessidade de implantar a Cota Zero na pesca profissional. "Não adianta ser pesquisador de renome se não tiver conhecimento da vida real do pescador. Tudo que eu tenho veio do rio e essas pessoas querem nos tirar dele. O Governo deveria criar um PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) para nós, mas só querem retirar nossos direitos", protestou Lourenço.

Claudionor Duarte, da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura, explicou que o setor se mantém monitorando e acompanhando o desenvolvimento do turismo de pesca da cidade. Ele pediu para que a discussão separasse a pesca profissional do turismo de pesca, o qual qualifica como uma modalidade consolidada e geradora de 2,5 mil empregos diretos e indiretos em sua sazonalidade (8 meses), além de uma capacidade considerável em comparação com outras cidades do estado. "Citei esses dados porque essa geração de empregos da pesca turística auxilia também algumas demandas da pesca profissional", explicou Claudionor.. O secretário ainda afirmou que está acompanhando a criação da Federação Mato-grossense do Turismo de Pesca junto ao CEPesca, que envolve os barcos-hotéis e as pousadas. "Isso vem de encontro com o novo mapeamento do turismo do Estado, que hoje qualifica seis municipios no mapa turístico do pantanal incluindo Cáceres. É um panorama que estamos acompanhando", finalizou.

Antônio Armando, representando o CEPesca, leu um documento do Conselho que manifesta preocupação sobre o risco de extinção cultural da pesca artesanal tradicional na cidade e no Estado. "Consideramos que não existe base cientifica legitimando o projeto da Cota Zero e recomendamos que as normas de atualização dos parâmetros de pesca sejam não só pautadas nas demandas da sociedade, mas referenciadas pela produção de conhecimento científico levando em conta atividades humanas e naturais que agem na pesca, com vistas na conservação e sustentação dos recursos", diz o documento.

Luiz Sérgio Garcia, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Sema), opinou que a Cota Zero é uma norma que está sendo impulsionada por outros estados e que é preciso "ter sensibilidade" quanto ao assunto. Ele também reforçou que a Sema se guiará pelo CEPesca para fiscalizar o cumprimento da Cota Zero. "Cáceres tem uma história de pesca, registrada até nas guerras, e a Sema tem uma linha de monitoramento não somente da pesca mas das embarcações, das construções à margem, do recurso hídrico… respeitamos a norma estabelecida, mas quem dá a diretriz é o CEPesca", finalizou o secretário.

A Profª Carolina Joana, da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), observou que o Pantanal é "um ecossistema frágil e vulnerável" e que "a pesca é a atividade mais antiga relacionada a ele, sendo assim a mais sustentável e democrática". Para a professora, a diminuição da pesca no município afetaria, inclusive, o turismo e a cultura cacerense, além de fazer a exclusão social daqueles que vivem da profissão. Ela também criticou a pesca turistica, a qual qualificou como "o ato de pescar só para tirar foto enquanto o peixe fica fora d’água sofrendo": Carolina apontou que, nesse ato, muitas vezes o animal morre e é devolvido ao rio já sem vida, o que aumenta a estatística do baixo estoque pesqueiro. 

O Dr. Fransérgio Piovesan, advogado, fez um contraponto às críticas direcionadas ao projeto. Ele explicou que a lei é destinada a toda a comunidade do Estado e que, consequentemente, inclui também o pescador. "Não é uma lei pensada para prejudicar ele, e sim pra preservar o estoque pesqueiro do estado. A pesca não é o maior problema, claro: temos por exemplo muitos herbicidas na água, e Cáceres precisa contratar especialistas para avaliar a quantidade destes no rio. Atestada a contaminação, deve-se cobrar de quem produz soja 'lá em cima' e joga herbicida 'aqui em baixo'", explicou o advogado.

Ele ainda opinou que o turista de pesca pode ser o "bom turista" ou o "mau turista", qualificando este último como o que vem para Cáceres com o intuito de pescar grandes quantidades de peixe e que, ao vender ou consumir o pescado por um mês inteiro, sai no lucro após descontar as despesas da viagem. "Tem gente que vem de Cuiabá para fazer isso", relatou Fransérgio. Já o "bom turista" estaria ligado à preservação do estoque pesqueiro, vindo apenas para se divertir e não levando peixes para casa. "Tenho pousada e não tenho freezer nela, pra não largarem peixe nele para levar quando forem embora, mas infelizmente muitas pousadas têm", lamentou. Ele finalizou afirmando que a lei é necessária também para dar conta destas situações.

Já o professor Clovis Vailant acredita haver um número desproporcional de hidrelétricas nos rios, nenhuma com perspectiva de atenção à fauna. "90% do que afeta o estoque pesqueiro diz respeito à morte de nascentes de rios por drenos", disse, sugerindo efetuar primeiro um cadastro dos tipos de pescador: profissional, amador ou turista. "Cada um teria uma cota de pesca. O profissional, que depende disso, teria uma cota obviamente maior", sugeriu Clovis.

A vereadora Valdeníria Dutra (PSDB) foi outra que apontou a falta de levantamentos que comprovem ser a pesca profissional a principal culpada pelo baixo estoque pesqueiro. "Antes de fazer esse projeto, deveriam ouvir as colônias de pescadores. Primeiro jogam na mídia, depois perguntam. Se os pescadores se unirem, vão conseguir barrar. Sugiro uma reunião na Assembleia Legislativa com todos os deputados, junto aos pescadores, que vão explicar os problemas do projeto e os parlamentares vão ser obrigados a barrar", afirmou, recebendo o apoio do vereador Valter Zacarkim (PTB).

Felipe Prates, estudante de Eng. Ambiental na Faculdade do Pantanal (FAPAN), se posicionou contra o grande pescado e apontou a existência de peixes que não têm predadores, como a Traíra e o Tucunaré, como um dos principais fatores do baixo estoque. "Eles se alimentam das ovas de outros peixes e freiam a multiplicação. Poderíamos focar nas espécies-pragas que predam nossos peixes e não são da nossa bacia, preservando os que são", disse o universitário. Já o biólogo Wilkinson Lázaro, da UNEMAT, complementou que não há como apontarem a pesca profissional como principal culpada por conta da fiscalização precária. "Temos apenas três pontos de coleta na bacia do Rio Paraguai, e não temos noção do que acontece no Sepotuba e no Jauru", informou.

Uma pescadora profissional que se identificou como Beatriz lamentou a falta de informação de sua classe quanto à sanção de leis para a pesca: "Muitas leis vêm e não ficamos sabendo, não debatem elas com a gente. Simplesmente acatamos, como a fecha da pesca, que era em novembro e foi para outubro, mês que consideramos a melhor época de pescado. Respeitamos o periodo proibitivo mesmo assim, mas a Cota Zero é desnecessária. Há muitas baías que pescadores não acessam, há reservas de reprodução com pacus grandes. Temos um bom estoque", opinou.

O presidente Rubens Macedo levantou a hipótese de os jacarés, grandes predadores de peixes, serem o maior problema. Wilkinson, no entanto, acredita que o estoque é ameaçado principalmente por contaminantes. "O maior problema é o chumbo, o mercúrio, agrotóxicos que encontramos no peixe em níveis ainda saudáveis para consumo humano, mas que não entendemos como funciona na fisiologia do animal. Encontramos microplásticos oriundos de Cáceres possivelmente ingeridos por peixes lá no parque do Pantanal", relatou o biólogo.

Encerrando a sessão, Rubens convidou biólogos, professores, pescadores e outros interessados presentes na audiência para uma rápida reunião nesta semana, possivelmente na quarta-feira (19), para elaborar o documento a ser encaminhado à Assembleia Legislativa com as sugestões. A audiência se encerrou por volta de 22h.

 

Felipe Deliberaes/Assessoria de Imprensa